sexta-feira, 6 de maio de 2011

O CLJ me enganou

Sei que alguns de vocês já ouviram ou leram esse texto, mas peço que mesmo aqueles que ja o conhecem, leiam novamente:

Eu era um guri verde com os meus quatorze anos. Dentro da minha jaqueta parcá bege, da minha segunda ou terceira calça jeans e atrás da armação dos óculos, eu era um guri verde. E por ser assim, acho que exatamente por ser assim, fui enganado. Ludibriado pelo CLJ durante longos seis ou sete anos da minha vida.
E vou explicar isso pra vocês.
Para quem não o conhece, a sigla quer dizer Curso de Liderança Juvenil. É um movimento de jovens da Igreja Católica do qual participei durante uma longa e marcante fase da juventude.  Já desconfiava faz tempo de toda essa farsa. E a confirmação de tudo começou há algumas semanas. Quando conheci de perto e passei a admirar o trabalho do Movimento Cultural Canta Brasil. [...]
Sabem que muitas vezes eu pensei em não ir mais? Eu, um guri verde, sendo iniciado em um grupo de jovens, com mais de cem desses jovens, com a triste impressão de que acabaria perdendo a minha liberdade de sábados à tarde em troca de horas e horas de oração, de palestras, de exposição a pessoas novas e de oração de novo. Mas precisou de muito pouco tempo para que o Juliano daquele tempo mudasse de idéia, descobrisse que não rezaria demais, nem estudaria tanto assim – embora, mais tarde, eu fosse lamentar a falta de tempo para fazer mais das duas coisas. Demorou pouco tempo para eu pegar gosto por aquela gente, por aquele grupo. [...]
Fiz muito no CLJ que contrariou minha história de vida de jovem tímido e inseguro. Li em público, falei em público, dei palestras em público. Aprendi a tocar violão, ensinei a tocar violão, cantei, bati palmas e dancei. Liderei grupos de trabalho e coordenei retiros de três dias. Xinguei, fui xingado, magoei, fui magoado. Chorei e também vi muitos chorarem. Uns de alegria, outros de pura decepção. Levei alguns para participar do CLJ e conheci muitos amigos lá. Muitos mesmo. Gente de quem sou amigo até hoje. Vi gente crescer. Entrar novinho e verde como eu e ficar grande. Vi gente ensinar o que aprendeu. Vi gente abraçando desconhecidos e vi gente confidenciando segredos para um rosto que era um sorriso só. Vi a minha mudança e a de muita gente no CLJ. [...]
Durante seis ou sete anos fiz parte de uma sociedade paralela, que acontecia na maior parte do tempo nas tardes de sábado, em um salão paroquial de alguns poucos metros quadrados. Sempre disse isso pra mim mesmo e para alguns mais chegados. Porque o CLJ era uma sociedade, sim senhor. Para viver ali era preciso perdoar, era preciso não mudar de opinião, era preciso fazer diferente de todo mundo, para mostrar o verdadeiro valor de alguma coisa. Era preciso consolar, engolir sapos, entusiasmar, cantar e fazer silêncio, um profundo silêncio muitas vezes. Foi preciso valorizar as pessoas por mais que elas insistissem em mostrar novos defeitos, por mais que elas não tivessem a mesma opinião sempre, o mesmo comportamento que o meu. Também foi preciso fazer primeiro. Liderar pela palavra e liderar pelo exemplo. Tivemos que planejar muitas coisas e tivemos que riscar muita idéia no papel. Corremos muito para ficar tudo pronto, improvisamos e esquecemos de cumprir muita promessa. Vimos a sala sempre cheia e também a vimos com alguns gatos pingados. Valorizamos os que estavam e reclamamos da cadeira vazia. Vi muitos de quem eu gostava e até admirava deixar o CLJ. Tinham envelhecido ali e a vida os tirava de nós. Outros chegavam para continuar o trabalho. Vi o movimento se renovar exatamente dessa forma.
O que o Canta Brasil me fez lembrar do CLJ é que tanto o Canta Brasil quanto o CLJ são ferramentas de transformação social. Eu fui um transformado socialmente. Milhares de outros jovens que já passaram pelo CLJ também foram transformados. Hoje são professores, são médicos, são jornalistas, são advogados, são pais e mães de família, são padres, são empreendedores, são palestrantes, são criaturas humanas, são cidadãos. Como as crianças do Canta Brasil. Um movimento que trouxe do AfroReggae, do Rio de Janeiro, um jeito de fazer as coisas serem diferentes para os seres humanos. Sem cirurgia, sem penitenciária, sem cadeia, sem ganhar na megasena.
Por isso que, sem saber, eu e você, que já foi do CLJ, fomos enganados. Achamos que estávamos ali para aprender a rezar, para entender a importância do sete dons do Espírito Santo, do exemplo de Maria, a mãe de Jesus. Pensei que aquele curso lá no seminário de Viamão fosse para converter jovens e reforçar a fé deles em Jesus Cristo e na igreja católica. Pensei que me elegeram para coordenar o movimento ali da paróquia para fazê-lo crescer, para receber mais jovens, e para dar continuidade ao grupo. Que nada! Mesmo que hoje eu reze e que converse com o mesmo Jesus Cristo que me apresentaram um dia no CLJ, há mais de 12 anos, me sinto enganado. Um idiota.
Como o Canta Brasil também não existe apenas para formar artistas, o CLJ não nasceu para ensinar a rezar ou inflar as missas estado a fora. Mais do que participar de reuniões intermináveis, aprendemos a fazer gestão de pessoas; mais do que fazer silêncio, aprendemos a pensar na vida; mais do que fazer diferente, bolar uma coisa legal e escrever um texto que tocasse as pessoas, estávamos sendo pedagogos, publicitários, jornalistas, estávamos sendo criativos! Mais do que confira no pedido feito em silêncio na capelinha, aprendemos a valorizar a fé. Mais do que fazer primeiro, aprendemos a liderar.
O próximo sábado vai celebrar, com uma janta na paróquia Nossa Senhora das Graças, em Canoas, os 30 anos do Movimento Curso de Liderança Juvenil, o CLJ, dessa cidade. Mesmo não estando, todos as centenas de milhares de jovens que emprestaram parte de suas vidas a grupos do CLJ país afora estarão jantando conosco. Muitos de nós hoje, mesmo enganados, ludibriados, podemos olhar pro canto esquerdo de cima do olho, lembrar do tempo bom que não volta nunca mais e dizer, a si mesmo, com orgulho, que fez o mundo um pouco melhor porque nele viveu e porque por ele passará.


Os trechos que falam sobre o grupo Canta Brasil foram retirados nos pontos em que se inseriu [...], para ler o texto na integra, acesse o site de origem:  CLJ Legal

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